segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Pastorelas

[Pastorelas – centro católico de irmãs italianas, apoiado pela Helpo. Lá, é feito um trabalho maravilhoso e muito comovente, junto das mulheres/famílias mais carenciadas. É neste centro que tenho vivido os momentos mais emocionantes desta “viagem” inesquecível, ou mesmo da soma de todos os meus dias.]

Uma a uma, todas as terças e quartas-feiras. Uma mulher de cada vez entra na sala, desprovida de tudo, necessitada de tudo. E uma a uma, a pobreza não parece tão vasta.
          
Nesta quarta-feira dia 23, em que todos os rostos e capulanas coloridas se juntam no mesmo chão, à mesma hora, posso ver a pobreza em que Pemba amanhece todos os dias, sempre iguais.
           
À minha frente, dezenas de histórias de vidas desfeitas. À minha frente, a face da miséria e da simplicidade, a falta de futuro, a dureza do presente e do passado. À minha frente, mulheres que cantam e gritam cantigas e gritos alegres, riem e dançam, enquanto esperam para assistir a uma palestra da Direcção Provincial da Mulher e Acção Social, sobre os direitos da mulher – os direitos que elas não sentem, sobre os direitos da criança – os direitos que as suas crianças não têm.
           
Neste chão colorido, vejo a paisagem humana mais emocionante e mais bonita que algum dia se fez aos meus olhos.
           
A palestra começa e as mulheres intervêm, em macua, e contam as histórias de como chegaram ao Centro das Irmãs Pastorelas. A maior parte destas mulheres sofre inúmeros lutos, inúmeras perdas, abandonos por parte dos maridos... quase invariavelmente são doentes. Uma mulher fala – tem sida – e agradece o que o Centro e, em especial, a Irmã Elisa tem feito por ela, pois não queria aceitar que estava doente e, agora, “o que importa é que ainda tenho vida”.
            
Falta tanto de tudo, em Pemba. Ainda bem que existe a Helpo, as Pastorelas, a esperança que sempre voa entre esta gente, por entre estes ares e estas terras. Porque a vida é tão frágil! – e não há muito mais que se possa dizer, para fazer transparecer estas realidades, sem que os olhos a quem mostro estas imagens estejam também aqui presentes, para verem, nesta hora, o que o meu olhar abarca, neste momento.



Joana Ferrari

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Mahera - a entrega dos presentes

[Mahera – uma comunidade rural a cerca de 2 horas da cidade de Pemba, onde a Helpo actua]


Chegámos à escola – duas salas sem porta, sem janela, com dois grandes rectângulos abertos de um lado e um outro, do lado oposto. A entrada faz-se ao subir dois degraus por mais uma abertura na parede.
As cores não contrastam com a paisagem: são paredes e chão alaranjados, como a terra batida que envolve o edifício, que abarca árvores e palhotas.
A primeira sala acolhe dezenas de crianças muito caladas e atentas sentadas no chão, em frente a um professor e um quadro preto de giz, todo quebrado, todo estragado, de contorno incerto e esbranquiçado. Em África, tudo o que é material parece ter sido sempre velho – até quando foi novo seria velho.
A segunda sala, vazia, semelhante à primeira, esperava para nos receber a nós, ao pedagógico e ao director da escola, bem como às crianças que foram chamadas para receberem presentes dos padrinhos.
Num terceiro compartimento – este com porta de chapa e sem janelas – três jovens meninas preparavam o lanche escolar para aquelas dezenas de crianças.
De repente, começam a ver-se vultos ao longe, a aproximarem-se e a deixarem de ser vultos. Eram mulheres, de um lado, tapadas por capulanas coloridas da cabeça aos pés. Do outro lado, eram homens, todos juntos, vestidos de tons escuros.
No Norte de Moçambique a maioria é muçulmana e isso é bem visível na forma de tratamento da mulher: na sala, eles sentaram-se em cadeiras, elas no chão, encostadas à parede, de pernas esticadas, com o corpo a formar um ângulo perfeito de 90 graus.
Começámos a distribuir presentes. Como é emocionante ver uma criança no centro de uma sala, muito envergonhada e sem sorrisos, a receber presentes que vêm de “lá longe”, do desconhecido, e que são tão desconhecidos quanto a sua origem! São presentes enviados, por gente que cria laços afectivos com uma criança que não conhece, por uma causa que acredita conhecer. No entanto, a maioria destas prendas, apesar do mimo que constituem, enquadram-se tão diminutamente na paisagem! – A escola, as árvores, as crianças vestidas com roupas desbotadas pelo sol e rotas pelo uso e rasgadas por tombos e dores. Onde colocar, nestas imagens, pastas florescentes de bonecos famosos, que só o são no Hemisfério Norte? Como se podem integrar as cores da riqueza, da opulência, do luxo, em paisagens de terra e de nada?
São prendas amorosas, cujo significado tento descodificar, nos olhos de quem as recebe. É que a maioria destas crianças nunca viu algo semelhante aos objectos que lhe estão destinados.
Porém, foi possível perceber o que mais fascina estes meninos e meninas, não pela reacção de quem recebe o presente, porque não exterioriza qualquer emoção, mas pelas dezenas de crianças que assistiam à entrega. Qualquer calçado, uns chinelos, umas sapatilhas…! É muito comovente ver crianças que caminham sempre descalças, por qualquer que seja o chão que pisam, a receber algo que separará a sua pele das pedras e dos picos do solo. Eram “só” umas sapatilhas e ouviu-se um “aaahahh” em coro, em êxtase!
O dia em Mahera não terminou com a tão emocionante entrega de presentes. Fui surpreendida por um homem que queria falar comigo – a “titia” – porque ficou tão satisfeito com as prendas que o filho recebeu, que precisava que lhe arranjássemos um saco para que ele pudesse enviar 25kg de milho da sua machamba para Portugal, para o padrinho do filho. E como foi difícil explicar-lhe que tal não seria possível!
Nem toda a gente é pureza e ingenuidade. Há muito roubo (proveniente da “desgraça”, sim…), muita mentira, alguma maldade ensinada pela dureza dos dias e da sobrevivência. Mas há realmente alguma puerilidade em alguns olhares, pensamentos e palavras, que enchem o coração de quem já viu mais, para lá da machamba, da palhota, da simplicidade.


"...salas sem porta, sem janela, com dois grandes rectângulos abertos de um lado e um outro, do lado oposto. A entrada faz-se ao subir dois degraus por mais uma abertura na parede."


"...começam a ver-se vultos ao longe, a aproximarem-se e a deixarem de ser vultos."


Joana Ferrari

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A viagem

A Ondina começou o programa de voluntariado com a Helpo em Janeiro de 2011 e terminou-o em Julho. Fica aqui uma das muitas aventuras que viveu, entre Nampula e Ilha de Moçambique…

Regressei à Ilha de Moçambique. É verdade que por aqui todos os dias são diferentes, mas a viagem que desta vez me trouxe de volta foi deveras especial. Viajei nos transportes públicos moçambicanos, por aqui conhecidos como chapas. Cheguei ao chapa às 9h da manhã. Apreensiva, coloquei a mochila no atrelado. Pensei, por um momento, que talvez não voltasse a vê-la e resolvi não voltar a pensar na mochila até chegar ao destino. Entrei. Com apenas um terço dos lugares preenchidos, havia muito por onde escolher, e escolhi um banco de uma pessoa, à janela. Perfeito. Sentei-me à espera. Aqui não há horários de partida ou chegada; há o momento em que o chapa fica a transbordar com pessoas nos bancos, pessoas ao colo, sentadas no chão, de pé, metade do corpo de fora... enfim, quando todos os cantinhos estão preenchidos, está na hora e o motorista faz-se à estrada. A partida aconteceu umas horas mais tarde. Um pouco antes, ainda na morosa fase de acomodação dos passageiros, percebi que não havia lugares perfeitos. Bastou que ao meu lado tivessem colocado um banco amovível que juntou o meu lugar individual aos dois lugares do outro lado do chapa. Nesta fila para três pessoas sentaram-se cinco, entre as quais duas senhoras que ocupavam entre elas três lugares, e ainda mais uma criança ao colo. Foi assim que o meu banco deixou de ser individual. Tudo piorou quando a meio da viagem, a senhora ao meu lado se levantou, e os restantes passageiros se prontificaram a apanhar espaço. Quando ela voltou, já mal cabia. A muito custo, empurrando para um lado e para outro, sentou-se. E eu, bem, eu senti-me tão apertada, totalmente comprimida entre a senhora e a chapa do chapa, que tive que respirar fundo, concentrar-me, esforçar-me para não ter um nada oportuno ataque de ansiedade. Estava tão apertada que me doíam os ossos! Não conseguia esticar as pernas, não conseguia encostar os dois ombros ao mesmo tempo, não aguentava mais. Tentei relaxar, pensar em coisas agradáveis, dormir, admirar a paisagem, mas nada resultou. Não aguentei e tive que, delicadamente, solicitar a uma das senhoras que se desviasse um pouco e voltasse à posição inicial. Acho que ela não gostou. Atrás de mim seguia um americano que mais tarde me contou que a senhora me lançou "aquele olhar".

Pelo caminho, num dos postos de controlo policial, mandam-nos parar. Nesta situação, penso eu, o motorista só tem duas opções, ou paga ao polícia e ficam amigos, ou é multado por excesso de carga. Boquiaberta percebo o quanto sou ingénua. Este motorista descobriu uma terceira opção, ignorar o polícia que batia à porta ordenando que a abrissem, e fugir! O senhor limitou-se a carregar no acelerador e seguir descontraidamente a viagem. Tão simples! E toda a gente riu naquele que foi um dos momentos hilariantes da viagem. Outros houve, como aquele em que alguém disse que tínhamos deixado passageiros para trás. Provavelmente foi algum daqueles que saltou pela janela para ir aliviar a bexiga. Passar por cima dos outros passageiros e saltar pela janela é a forma mais fácil de sair de um chapa quando este está completamente cheio e em vez de ter corredor de passagem entre os bancos, tem passageiros. Não voltamos atrás a recolhê-los. Seguimos em frente.

Está calor, abafado, abro a janela e tento dormir. Não quero olhar para a estrada, e mesmo que quisesse, não conseguiria vê-la, tal a quantidade de gente que tenho amontoada em pé à minha frente. A janela desafia-me e fecha-se sozinha com o andamento do carro. Volta a faltar-me o ar, volto a ter calor, percebo que está fechada, volto a abrir a janela e fecho os olhos, aproveitando o curto tempo em que a maldita se mantém aberta.

Paramos outra vez, sinto fome, compro bananas a uma das dezenas de homens, mulheres e até crianças que assaltam o chapa com produtos para vender. Eles trazem fruta, bolachas, água e refrescos, o bom do caju, frango assado, tudo nos chega ao lado pela mão de vendedores insistentes que se atropelam uns aos outros para fazer negócio.

O chapa termina a viagem à entrada da ponte de acesso à ilha. Neste ponto somos transferidos para uma carrinha de caixa aberta. Subimos, eu e o americano na companhia de mais 20 pessoas e respectivas sacas de arroz, de farinha, sacos de plástico com fruta, pão e roupa, as compras que fizeram em Nampula e pelo caminho. Três quilómetros depois respiro de alívio. Estou novamente na sempre surpreendente Ilha de Moçambique. 

No final do dia fui recompensada com a companhia de três novos amigos para jantar. O tal americano que tinha acabado de conhecer, um alemão que o americano já tinha conhecido, e uma sul-coreana curiosamente chamada Maria, que todos tínhamos acabado de conhecer. Depois do jantar, serão no Relíquias, à beira mar, concerto com músico local, cantado em Macua. 
Chega a hora e vou deitar-me. Penso como é bom viajar de chapa, devo repetir. Sorrio e adormeço.

Ondina Giga

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Apresentação e Primeiro texto

Chamo-me Joana, sou do Porto, e sou a primeira voluntária da Helpo em Pemba. Cheguei a Moçambique no dia 13 de Junho - mais precisamente à cidade de Nampula, para conhecer os projectos que a Helpo também aí desenvolve. No fim da primeira semana vim para a cidade que me vai acolher até Dezembro.

Os projectos da Helpo são na área da educação, actuando em comunidades rurais - escolas e escolinhas (creches); infantários (orfanatos) - como aquele que tive oportunidade de conhecer em Nampula; numa ordem religiosa que acolhe crianças durante o dia - as Pastorelas; entre outras actividades, como é o caso da criação de uma ludoteca infantil na Biblioteca Provincial de Cabo Delgado, na qual vou estar envolvida.

Vou ficar por aqui seis meses e vou publicar, periodicamente, textos sobre o que se faz, o que se vive, o que se vê e o que se sente, deste lado do mundo, através de uma experiência de voluntariado. Será com certeza um longo caminho, mas também dias e lições de vida que hão de ficar registados no meu percurso profissional e, mais do que tudo, no meu percurso emocional.

TEXTO I


Chegar a África significa encher a alma de imagens maravilhosas, esvaziar a cabeça de expectativas inalcançáveis, cair numa realidade que, no meu imaginário, correspondia apenas aos cenários dos filmes mais inquietantes e comoventes e, de certa forma, “culpabilizantes”, que sempre me atraíram até às salas de cinema e me seduziram como “objectivo de vida”, para a vida.
África é aquele continente “láaaa” longe (como explicaria um moçambicano em modo de “conta-quilómetros”), onde há abundância de doenças e sujidade, e doenças e sujidade em crianças e crianças a viver em casas feitas de palha que sobejam por toda a parte, em partes do mundo que são permanentemente esquecidas por partes da (des) humanidade. É aquele continente distante onde, para além destas abundâncias, há uma ausência de tudo o resto – é como um resto enorme de mundo, com muito mais crianças do que uma Europa ou uma América, que se situa no “fim do mundo”. E ninguém quer ir ao “fim do mundo”! É muito longe e pode ser perigoso!
 E não precisamos de seguir todos os mesmos caminhos. Mas, como ouvi ontem aqui em Pemba – “pela rua do depois chegas à praça do nunca” – e não podemos, no século XXI, permanecer na “rua do depois”, quando está em causa a sobrevivência (e nem sequer a vivência) de crianças que ainda morrem de “dor de barriga” ou “dor de cabeça”. E, é de repetir: estamos no século XXI!
África tem “aquele encanto”e “aquela alegria de viver”. África é cores fortes e praias oníricas, a ruralidade das paisagens verdes, laranjas e rochosas a perder de vista. África é “a gente pobre e feliz” de que fala a Directora do Infantário Provincial de Nampula, que a compara com “a gente abastada e triste” de “lá”. África é crianças “miseráveis” e também as mais sorridentes. É palhotas, é sol eterno onde a vida é mais efémera – e a vida já é tão efémera quando temos oitenta anos de esperança de vida! África é uma esperança inspiradora e uma espera sem fim, que nem no “desespero” desespera.
Joana Ferrari

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Porquê fazer voluntariado?

*O que é e porquê ser voluntário?
“Voluntário é o indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete… no seu tempo livre, a realizar acções de voluntariado no âmbito de uma organização promotora” (Lei nº 71/98).

Acredito que todos podemos fazer a diferença. Que com pequenos gestos podemos realmente “mudar o mundo” e que, se todos acharmos que pequenas acções não fazem a diferença, então sim, o mundo nunca vai mudar, nós nunca vamos mudar e o longo caminho que há para percorrer entre as desigualdades extremas até uma igualdade mais humana, e tão urgente, nunca será percorrido. É efectivamente mais simples permanecer sempre igual. Talvez porque não há uma noção clara e comum do quão melhor podemos ser e fazer.

Ser voluntário é darmos o nosso tão apetecível e interminável tempo a ver televisão e fazer zapping, a falar ao telefone, a dormir mais um bocadinho, a descansar mais um bocadinho de cansaço nenhum, a comprar roupas lindas e a comer sobremesas deliciosas que nos fazem esquecer as roupas e a comida que outros não têm, as necessidades alheias e os nossos próprios problemas. E como é fácil viver “no escuro”! E não saber o que há “mais além”. E como é fácil não saber que é uma obrigação tão nossa mudar o que está errado – na nossa vida e em tantas outras vidas, que pouco ou nada nos dizem. Ser voluntário é ser incansável dentro do próprio cansaço – é ficar cansado! Mas continuar sempre a andar em direcção ao objectivo ou projecto pelo qual se luta.

Ser voluntário não é não ter outros interesses (mais egoístas!). Ser voluntário é ser sonhador o suficiente para, cooperando com uma organização como a Helpo, tornar ideias em realidades (e, em troca, ver essa própria realidade a concretizar-se). É ter uma grande força de vontade e não ter um salário como fim último, mas recompensas emocionais, intelectuais e de expansão de horizontes, ao final de cada dia, ao final do mês e em tempos que ainda estão por vir. Recompensas que pouca gente entende, numa sociedade onde a imagem, o “estatuto”, a casa e o carro e a família e o ipod e o computador e, e, e (…) são tudo quanto importa (para mostrar o quão felizes somos nesta “vida tão perfeita” onde nascemos ou onde viemos parar). Ser voluntário é não se resignar com o que não está certo e é, acima de tudo, ajudar. Mas não da “forma… desinteressada” que a Lei nº 71/98, artigo nº 3 refere. Aqui não há senão um interesse profundo em conhecer outras realidades que não a nossa, outras culturas, outros costumes e marcar vidas cheias de carências afectivas e económicas.

E é definitivamente um interesse egoísta a imensa vontade que o voluntário tem em ser mais e melhor. Melhor do que quando não fazia coisa alguma. Melhor do que seria se não tentasse mudar-se a si e ao mundo que o rodeia. As motivações não se cingem “aos outros” mas passam também por si próprio.

Há uma infinidade de motivações para se fazer voluntariado. A maioria dessas razões não são palpáveis, não se podem enumerar porque passam pela experiência indescritível de se ser útil, de marcar a diferença, de aprender algo novo a cada minuto, de partilhar, de pôr egoísmos e egocentrismos de parte, de colocar “outros à nossa frente” nas listas intermináveis das nossas prioridades pessoais, num mundo onde o que é emocional se mistura com o profissional, é ser mais humano. Fazer voluntariado significa crescer em direcções distintas daquilo que a escola ou a universidade, ou até a família, nos podem ensinar. Crescer por dentro, de dentro para fora e de fora para dentro. É tornar o nosso mundo interior maior do que os nossos próprios limites. Fazer voluntariado é fazer bem o bem, mas sem o sentido estrito de caridade que a sociedade geralmente lhe dá. Porque é TÃO mais do que isso.
Fazer voluntariado porque faz bem, porque nos faz bem, porque é mudar aquilo que não gostamos de ver no mundo, que não podemos ver no mundo, porque é trabalhar contra injustiças e lutar por melhores condições de vida para quem não as tem. É uma experiência que enriquece qualquer currículo, qualquer percepção que se possa ter do nosso próprio país ou de outros, qualquer projecto de vida, qualquer projecto de carreira, qualquer alma, qualquer pessoa!
Lutar por um mundo melhor cabe-nos a todos nós. Voluntariado não é A obrigação. Voluntariado é apenas uma forma de contribuir para essa transformação, que nos cabe a todos nós, ficar mais perto de acontecer – a desconstrução de preconceitos raciais, étnicos, sociais, de género e a cooperação para um mundo mais justo, onde a erradicação da pobreza extrema possa ser uma realidade. Porquê fazer voluntariado? Porque sim!
Joana F.



O que é e porquê?
Nunca tinha sido voluntária antes, ainda que isto não signifique que não tenha estado implicada em actividades com a comunidade. E a verdade é que considero que ser voluntário na HELPO é um regime diferente daqueles que conheci anteriormente.
Os regimes de voluntariado dependem da organização e do próprio indivíduo. O que me parece atractivo no regime de voluntariado da HELPO é dar continuidade a um projecto que já existe, o que de certa forma vem garantir a sustentabilidade e progresso dos projectos que se desenvolvem.
Por outro lado, a HELPO exige que os voluntários candidatos façam um curso de iniciação, onde são abordados diversos temas sobre o Voluntariado Internacional. Posteriormente, os voluntários são seleccionados e recebem uma formação antes de ir para o terreno, para que estejam a parte das actividades da HELPO e que tomem conhecimento dos processos administrativos.
A organização também pede ao voluntário que formule um projecto individual, sob supervisão de um dos colaboradores, e que deve ser levado a cabo, antes e durante o período em que nos encontramos no terreno.


Faço referência a todos estes pontos, porque o voluntariado só faz sentido para mim num regime similar, porque nos responsabiliza e faz de nós participantes activos da mudança e de um projecto, com objectivos concretos que tem impacto no terreno. Acho que podemos dizer que este regime é de voluntário/cooperante e é esse o principal motivo pelo qual quero ser voluntária na HELPO.
Sara S.


“Plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho”. É esta a habitual lista de coisas para fazer antes de morrer. Mas um dia paramos um segundo para pensar e surge então a derradeira questão: Quem sou eu e para onde vou?
Pensei no passado! Não me arrependo de nada do que tenha feito e considero que fiz muito. Atingi a quase totalidade dos meus objectivos e ainda assim uma espécie de vazio crescia dentro de mim, consumia-me. Foi por esta altura que me apercebi que A Lista se havia tornado demasiado curta para mim, precisava de algo mais completo; e mais do que uma lista, precisava de um rumo, um objectivo, precisava de me encontrar!
Mas por esta altura a lista já não tinha só os três tópicos iniciais. Havia crescido consideravelmente. Decidi que chegava de dizer ‘um dia faço…’. Chegava de tentar construir um mundo só meu, decidi que queria crescer e tornar-me uma pessoa melhor, decidi que queria fazer algo pelo mundo que é de todos e torná-lo também a ele um mundo melhor, onde talvez existisse um lugar para mim.
E são estas as razões que me levam a querer fazer trabalho voluntário em países subdesenvolvidos. Razões egoístas, poder-se-á dizer, mas se com esse egoísmo consigo fazer algo de útil, algo de bom e algo de necessário, qual será o mal disso? Claro que nunca embarcaria numa ventura destas se não gostasse de ajudar quem precisa. É óbvio que essa é uma condição fundamental necessária à partida. Mas estaria a mentir se declarasse essa como a minha principal motivação.
Depois existe a aventura. Ir para um sítio novo, com pessoas diferentes e uma outra mentalidade e cultura, nunca deixa de ser uma aventura. Mentalizei-me para passar muitas privações, a todos os níveis. Este tipo de missões exigirá muito a um voluntário. Sobretudo a nível psicológico e a nível motivacional. É claro que me assusto com algumas coisas: tenho medo sim. Medo de ceder, medo por não estar ao alcance de um abraço de um amigo, medo da saudade, medo da exclusão e tantos, tantos outros medos. Tenho medo sim, e depois? Isso não é obrigatoriamente mau! O medo é muito mais do que isso, é todo um conjunto de sensações que merecem de facto ser vividas e entendidas. E é por sentir esse medo que eu sei que vou ser capaz de superar as dificuldades, de cumprir a minha missão.
E ao longo do tempo que passar no terreno eu só espero poder fazer o máximo pelas pessoas, e pelo seu mundo. Quero fazer o que tenho de fazer, e fazê-lo bem feito. Quero ajudar, ensinar e aprender. Aprender o máximo que poder a todos os níveis possíveis. Quero ser, estar, sentir e viver. Quero fazer amigos e sentir que pela primeira vez fiz algo de realmente útil, de realmente importante que realmente valeu a pena. Eu bem sei que uma pessoa não pode mudar o mundo, mas essa pessoa pode realmente fazer a diferença, por mais pequena que ela seja. O que é a evolução se não um acumular de pequenas diferenças? É a pensar assim que eu espero que o mundo caminhe num sentido melhor. Porque se é verdade que não podemos ter tudo aquilo que queremos, não é menos verdade que isso não nos impede de lutar por algumas dessas coisas.
Não sei se agora estou mais próximo de saber quem sou, mas sei de certeza em que direcção quero seguir, e isso tenho de agradecer à helpo!
Nuno M.


*Textos escritos antes da partida para o terreno.

Motivações, receios e expectativas


*É difícil descrever o que espero desta experiência. É difícil saber o que espero – de Moçambique, do trabalho que me vai estar destinado e das actividades que vou desenvolver no terreno. Não consigo imaginar o que é “tocar na pobreza”, quais as suas cores, feitios e cheiros – embora já tenha estado envolvida em alguns projectos de voluntariado nacional, com crianças e sem-abrigo. Mas, agora é uma pobreza mais distante, mais desconhecida, mais avassaladora. É uma pobreza dominante, com a qual não só vou ser confrontada diariamente, mas na qual vou “viver” diariamente durante seis meses. Não vou ver mais senão pobreza até à linha do horizonte e isso é assustador. Tenho mil medos que crescem à medida que o tempo passa e o dia da partida para aquele continente (e para aquela pobreza) longínquo/a se aproxima. Como vão ser as saudades? E a malária, vou contraí-la? E o calor que não dá descanso? E as ausências? E os horários? E o trabalho? E as crianças? E a amabilidade do povo moçambicano? E a segurança? E as ausências? E as saudades? E as saudades, as ausências, a segurança… São tantas as questões às quais só os meus olhos e pele poderão dar resposta, no espaço de aproximadamente um mês!
Motivações? O dobro dos medos! Os desafios e recompensas desta aventura! A resistência às saudades, às doenças, às ausências, a habituação aos costumes diferentes, ao calor, à pobreza. ÁFRICA! As cores, os cheiros, os feitios! Mais do que tudo… o trabalho, a cooperação com as comunidades rurais, as actividades nas escolinhas! As CRIANÇAS! O Voluntariado.
As expectativas: um misto de um enorme pessimismo e de optimismo incomensurável! Espero uma experiência única, num país demasiado diferente de Portugal, para o bem e para o mal!
Joana F.


*Os meus receios estão relacionados com a vida no terreno. Apesar de já ter estado em África e de ter gostado e ter-me sentido bem. Acho que viver no terreno, é uma realidade completamente diferente. O meu maior receio é não aguentar, sentir que as vivências e a realidade onde intervimos são demasiado duras/fortes e de não ter capacidade para aguentar.
Mas ao mesmo tempo, estou com as expectativas altas, porque tenho consciência que vai ser uma experiência única, principalmente porque vamos estar em contacto com comunidades rurais no interior de Moçambique, e vamos trabalhar com elas. Porque vamos ver 'o novo mundo'. Porque dou valor ao projecto desenvolvido pela HELPO. E sobretudo, porque finalmente vou cumprir um sonho, viver em África, intervir numa comunidade e contribuir para o seu desenvolvimento!
Sara S.


* Textos escritos antes da partida para o terreno.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Este blog nasceu para dar voz aos voluntários da Helpo no terreno! Desta forma, vamos actualizar esta página regularmente, com o nosso dia-a-dia em São Tomé e Príncipe, na ilha de São Tomé, e em Moçambique - nas cidades de Pemba e Nampula! Esperamos que as nossas aventuras, alegrias, dificuldades, rotinas, trabalhos, experiências, contactos com as populações e, em especial, crianças locais, possam demonstrar o que se sente de um outro lado do mundo, tão distante das nossas rotinas, experiências e contactos de sempre!
Acima de tudo, queremos divulgar o trabalho da Helpo e convidar todos os nossos seguidores a envolverem-se nos nossos projectos!