terça-feira, 2 de agosto de 2011

A viagem

A Ondina começou o programa de voluntariado com a Helpo em Janeiro de 2011 e terminou-o em Julho. Fica aqui uma das muitas aventuras que viveu, entre Nampula e Ilha de Moçambique…

Regressei à Ilha de Moçambique. É verdade que por aqui todos os dias são diferentes, mas a viagem que desta vez me trouxe de volta foi deveras especial. Viajei nos transportes públicos moçambicanos, por aqui conhecidos como chapas. Cheguei ao chapa às 9h da manhã. Apreensiva, coloquei a mochila no atrelado. Pensei, por um momento, que talvez não voltasse a vê-la e resolvi não voltar a pensar na mochila até chegar ao destino. Entrei. Com apenas um terço dos lugares preenchidos, havia muito por onde escolher, e escolhi um banco de uma pessoa, à janela. Perfeito. Sentei-me à espera. Aqui não há horários de partida ou chegada; há o momento em que o chapa fica a transbordar com pessoas nos bancos, pessoas ao colo, sentadas no chão, de pé, metade do corpo de fora... enfim, quando todos os cantinhos estão preenchidos, está na hora e o motorista faz-se à estrada. A partida aconteceu umas horas mais tarde. Um pouco antes, ainda na morosa fase de acomodação dos passageiros, percebi que não havia lugares perfeitos. Bastou que ao meu lado tivessem colocado um banco amovível que juntou o meu lugar individual aos dois lugares do outro lado do chapa. Nesta fila para três pessoas sentaram-se cinco, entre as quais duas senhoras que ocupavam entre elas três lugares, e ainda mais uma criança ao colo. Foi assim que o meu banco deixou de ser individual. Tudo piorou quando a meio da viagem, a senhora ao meu lado se levantou, e os restantes passageiros se prontificaram a apanhar espaço. Quando ela voltou, já mal cabia. A muito custo, empurrando para um lado e para outro, sentou-se. E eu, bem, eu senti-me tão apertada, totalmente comprimida entre a senhora e a chapa do chapa, que tive que respirar fundo, concentrar-me, esforçar-me para não ter um nada oportuno ataque de ansiedade. Estava tão apertada que me doíam os ossos! Não conseguia esticar as pernas, não conseguia encostar os dois ombros ao mesmo tempo, não aguentava mais. Tentei relaxar, pensar em coisas agradáveis, dormir, admirar a paisagem, mas nada resultou. Não aguentei e tive que, delicadamente, solicitar a uma das senhoras que se desviasse um pouco e voltasse à posição inicial. Acho que ela não gostou. Atrás de mim seguia um americano que mais tarde me contou que a senhora me lançou "aquele olhar".

Pelo caminho, num dos postos de controlo policial, mandam-nos parar. Nesta situação, penso eu, o motorista só tem duas opções, ou paga ao polícia e ficam amigos, ou é multado por excesso de carga. Boquiaberta percebo o quanto sou ingénua. Este motorista descobriu uma terceira opção, ignorar o polícia que batia à porta ordenando que a abrissem, e fugir! O senhor limitou-se a carregar no acelerador e seguir descontraidamente a viagem. Tão simples! E toda a gente riu naquele que foi um dos momentos hilariantes da viagem. Outros houve, como aquele em que alguém disse que tínhamos deixado passageiros para trás. Provavelmente foi algum daqueles que saltou pela janela para ir aliviar a bexiga. Passar por cima dos outros passageiros e saltar pela janela é a forma mais fácil de sair de um chapa quando este está completamente cheio e em vez de ter corredor de passagem entre os bancos, tem passageiros. Não voltamos atrás a recolhê-los. Seguimos em frente.

Está calor, abafado, abro a janela e tento dormir. Não quero olhar para a estrada, e mesmo que quisesse, não conseguiria vê-la, tal a quantidade de gente que tenho amontoada em pé à minha frente. A janela desafia-me e fecha-se sozinha com o andamento do carro. Volta a faltar-me o ar, volto a ter calor, percebo que está fechada, volto a abrir a janela e fecho os olhos, aproveitando o curto tempo em que a maldita se mantém aberta.

Paramos outra vez, sinto fome, compro bananas a uma das dezenas de homens, mulheres e até crianças que assaltam o chapa com produtos para vender. Eles trazem fruta, bolachas, água e refrescos, o bom do caju, frango assado, tudo nos chega ao lado pela mão de vendedores insistentes que se atropelam uns aos outros para fazer negócio.

O chapa termina a viagem à entrada da ponte de acesso à ilha. Neste ponto somos transferidos para uma carrinha de caixa aberta. Subimos, eu e o americano na companhia de mais 20 pessoas e respectivas sacas de arroz, de farinha, sacos de plástico com fruta, pão e roupa, as compras que fizeram em Nampula e pelo caminho. Três quilómetros depois respiro de alívio. Estou novamente na sempre surpreendente Ilha de Moçambique. 

No final do dia fui recompensada com a companhia de três novos amigos para jantar. O tal americano que tinha acabado de conhecer, um alemão que o americano já tinha conhecido, e uma sul-coreana curiosamente chamada Maria, que todos tínhamos acabado de conhecer. Depois do jantar, serão no Relíquias, à beira mar, concerto com músico local, cantado em Macua. 
Chega a hora e vou deitar-me. Penso como é bom viajar de chapa, devo repetir. Sorrio e adormeço.

Ondina Giga